1 de setembro de 2012

X-10: Dez animes do estúdio SHAFT (Parte 1)






Técnicas mistas de animação e narração, cuidado especial e artístico nas sequências de OPs e EDs, aprimoramento da obra na versão em BD...  Independente do tanto de admiradores e desafetos que coleciona – o que se fez criar aquele pensamento bobo de que ou você ama seus trabalhos, ou os odeia, não há meio termo –, é fato que a SHAFT é, nos dias atuais, um dos estúdios de animação mais lucrativos e originais do Japão; mas seu início, há exatos trinta e sete anos, foi bem modesto e vagaroso.



Fundado no dia 1º de setembro de 1975 por Hiroshi Wakao – antes animador da Mushi Production -, o estúdio SHAFT foi durante anos uma empresa colaboradora em trabalhos de terceiros, curiosamente ao lado do Studio DEEN, que fora fundado no mesmo ano. Somente em 1987 viria a animar algo de sua autoria, o nada inesquecível OVA “Yume kara, samenai”: séries de TV, então, levariam um tempo maior ainda para surgir.

Grandes mudanças só viriam em 2004, quando Hiroshi Wakao se aposentou e Kubota Mitsutoshi tornou-se diretor representativo em seu lugar.  Com ele no comando, veio duas novidades significativas: a diminuição do grupo de pintura do estúdio para que fosse fortalecida a área digital; e a chegada de três nomes que deram um ar novo à SHAFT, Shin Onuma, Tatsuya Oishi e Akiyuki Shinbo - este último, de longe, o mais famoso, encarregado de instruir boa parte da “staff”. 

A partir disso, começando por “Tsukuyomi: Moon Phase”, este trio foi responsável por quase todas as produções do estúdio, mesmo que um deles (Shin Onuma) atualmente já nem esteja mais na SHAFT, e outro (Tatsuya Oishi) se encontre em inatividade desde 2010. Sobra, então, Akiyuki Shinbo, “ex-professor” dos dois, que com seu estilo característico vem dirigindo animação atrás de animação ao longo dos anos, evidenciando a enorme dependência que a SHAFT tem pela sua arte e competência. No decorrer da matéria, será comentado com maior profundidade o desenvolvimento dessa parceria.

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Para a montagem desta lista, a qualidade individual de cada animação foi, lógico, o requisito principal a ser usado na tarefa de tirar dez nomes de mais de trinta opções, mas considerei em segundo plano a importância da obra na história do estúdio. Por fim, aqui também há mudanças: a primeira poderá ser vista na colocação dos animes, que está em ordem crescente de acordo com o ano de produção, e não alfabética. A segunda se perceberá no conteúdo, pois por conta do tamanho final dos textos, a lista foi dividida em duas partes e hoje apenas cinco títulos serão postados; o restante virá ao ar semana que vem ou daqui a duas semanas, no máximo.


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Juuni Senshi Bakuretsu Eto Ranger
De onde saiu: Animação original.

A história: De antigas lendas folclóricas a livros atuais, os “Novel Worlds” são mundos paralelos de histórias criadas pela imaginação humana, e a repetição e manutenção delas é necessária para o bem da humanidade. Quando Aura, princesa de Mugen – terra que tem conexão com o pilar que guarda esses mundos -, percebe que monstros estão invadindo essas obras e as modificando com o intuito de destruí-las, ela convoca doze animais para se tornarem seus guerreiros e protetores, os Eto Rangers.

Sendo todos eles símbolos de cada um dos doze signos do zodíaco chinês, os Eto Rangers devem viajar entre os “Novel Worlds” e descobrir e derrotar a verdadeira identidade do monstro invasor, para que assim as histórias possam voltar ao seu estado original.

Ano/Diretor: 1995 / Kunitoshi Okajima

A SHAFT levou doze anos para produzir sua primeira animação, o ruinzinho “Yume kara, samenai”; mas a primeira série de TV viria somente oito anos mais tarde, em 1995, com uma dúzia de animais antropomorfizados como protagonistas.

Chapeuzinho Vermelho se torna uma garota de grande força física, enquanto o Lobo Mau, coitado, vira prisioneiro dela; a Lebre e a Tartaruga disputam uma corrida, sim, mas de carro; e a lenda de Momotarou se transforma numa trama de ficção científica, na qual o garoto deve, ao lado de seus animais aliados, enfrentar alienígenas. Independente da origem e idade, “Juuni Senshi” brinca e altera vários contos de fadas e lendas destinadas às crianças, seu público alvo, usando como argumento uma historinha bem rasa e clichê, mas sedutora e simpática graças a pequenos detalhes na sua construção.

Boa vontade e indulgência são fundamentais para ignorar os passos iniciais carentes de explicação, como o motivo para a princesa Aura chamar justamente doze animais representantes do zodíaco chinês, e a conveniência de já ter preparado para eles um mecha com AI, que seria usado nas viagens aos portais da ficção. Mas o inoportuno juízo adulto (aquele que fez o antes perfeito mundo de “Pokemon” parecer hoje algo cheio de falhas e absurdos) colidirá com ideias que talvez ache mais desconexas, tais como a Ai dessa máquina escolher aleatoriamente apenas cinco membros para lutar em cada “Novel World” e o privilégio que esta concede aos guerreiros ao dar-lhes um dispositivo que permite pedir a ajuda de, no máximo, mais dois companheiros extras. O aparelho usado para revelar o disfarce dos inimigos, a proibição de não poderem ficar mais do que dois dias em cada mundo... Esses e outros fatores realmente não têm justificativas, ou se o têm não são convincentes, mas uma frase singela é melhor do que qualquer explicação pseudocientífica do anime: assim é mais divertido. Tantas “regras” cumprem aquilo que deve ser sua função, a de deixar o enredo mais interessante. Junto a isso, diminuir o tanto de personagens ativos por episódio dribla o problema do alto número de protagonistas e desenvolve pouco a pouco as diferentes relações entre os doze guerreiros, criaturas de personalidades similares às principais características de suas espécies.

Em dado episódio Macaco se ilude ao virar o Rei Macaco, protagonista do conto “Jornada ao Oeste”, e o saldo disso é o ensinamento de que não importando a aparência, por dentro ele continuava sendo a mesma pessoa (animal?); em outra ocasião, o líder Rato – único que é sempre escolhido – aprende, a duras penas, que tudo que se faz tem retorno, bem ou mal; e vários de seus companheiros passam pela dolorosa, mas essencial lição de que despedidas são inevitáveis, mas o que importa são os sentimentos e as lembranças guardados dos momentos em que ficaram juntos. Como um bom anime infantil “Juuni Senshi” aborda valores comuns a toda sociedade, que nem os contos parodiados por ele, e de vez em quando consegue ser mais incisivo e moralista do que uma obra clássica (Pinocchio feito de ouro ao invés de madeira, numa cidade onde ninguém parece se importar com isso uma vez que ele mente com a intenção de fazer seu nariz crescer para, assim, poder doar barras douradas? Possivelmente um dos enredos mais bem reescritos da série). Obviamente, o senso de companheirismo e solidariedade é outro fator denso e onipresente no anime, desde confiar nos amigos nos piores momentos a ter noção de que, se um está machucado ou desanimado, há outros onze atrás dele para lhe substituir ou anima-lo. Ou, então, esquecer rixas pessoais (Cão e Macaco brigando constantemente) no intuito de unirem forças para impedir a conclusão de uma fábula (pois se a história terminar de modo diferente ao original, o “Novel World” em questão é supostamente destruído).

Com tudo isso, as breves e precárias cenas de ação se tornam a parte mais insignificante e chata da série – ao menos, para os de maior idade -, porque os melhores atributos se encontram na parte inicial de cada aventura, na qual somos jogados a um mundo conhecido em nossa infância todo modificado; e no meio e últimos segundos desta, em que são explorados tais sentimentos e valores.

É claro, a animação não escapa de malfadados vícios de seu gênero – ou dos animes em geral -, como o desgaste da fórmula (perdoável, nesse caso, pelo tamanho da série), as frases e afirmações repetitivas e óbvias, e os raciocínios tolos e incoerentes, que possivelmente nem uma criança deixaria passar batido. Certamente, alguns ainda poderão reclamar da insistência do anime em criar tramas que se iniciam e terminam em um episódio - com, às vezes, uma frustrante facilidade -, quando poderia optar por estica-las e fazê-las mais bem elaboradas, já que vários contos tem potencial para isso: mas, oras, estamos muito longe dos consumidores reais de “Juuni Senshi”, e fazer vista grossa a esses “defeitos” é vital para conseguir prestigiar a animação. 

Após essa obra, a SHAFT entraria em outro hiato, e só retornaria a produzir séries de TV nos anos 2000. 

Kunitoshi Okajima: além de dirigir “Juuni Senshi”, sua atuação em produções de autoria da SHAFT se resume a um cargo de diretor de episódios em “Tsukuyomi: Moon Phase”. Quanto a trabalhos terceirizados ou em outros estúdios, esteve presente, dentre outros animes, em “Samurai Pizza Cats” e “Sakura Diaries” como diretor; e “Bokura ga Ita”, “Kiniro no Corda: Primo Passo” e “Ginban Kaleidoscope” como diretor de episódios.

Incompleto: para esse texto, foram vistos 14 episódios, de 39.



Pani Poni Dash!
De onde saiu: Mangá, 17 volumes, finalizado.

A história: Com somente 11 anos de idade, a gênio Miyamoto Rebecca se torna a nova professora de uma classe repleta de alunos esquisitos. A sua aparência infantil e bonita esconde um lado bastante sarcástico e agressivo, que lhe será essencial para conseguir suportar seus estudantes e os inúmeros eventos absurdos que ocorrem na escola.

Ano/Diretor: 2005 / Akiyuki Shinbo

A parceria Akiyuki/SHAFT começou um ano antes, em 2004, com o fraquinho anime de vampiros “Tsukuyomi: Moon Phase”; nele já podem ser flagrados certos maneirismos desse diretor provenientes de obras suas em outros estúdios, como as famosas inclinações de cabeça, os jogos de câmera e as trocas de cores – porém, tudo ainda bem vulgar e de gosto duvidoso, sem tanto apelo que nem atualmente, mas o suficiente para chamar a atenção numa indústria que fica em demasia na “zona de conforto”. Seu estilo viria a ser aperfeiçoar e tomar a identidade conhecida hoje apenas em 2007, com “Hidamari Sketch”, anime que tem um texto nada pequeno logo a frente.

Em “Pani Poni Dash”, seu segundo trabalho no estúdio, Akiyuki Shinbo se sai muito melhor ao fazer algo que ele parece adorar; paródia, um tópico cujo ápice lhe foi atingido com um tal professor desesperado. Perto de “Sayonara Zetsubou Sensei” (2007), “Pani Poni Dash” se mostra bastante inferior e pobre: mas, sozinho, se torna no primeiro resultado positivo e memorável da dupla Akiyuki/SHAFT, e sem dúvida o mais importante na carreira desses dois.

Sem direção alguma, “Pani Poni Dash” simplesmente se aproveita de um punhado de personagens incomuns para criar eventos e diálogos que desprezam a razão e a lógica, tendo no meio referências a quase tudo que a cultura moderna gerou nas últimas décadas, a japonesa em primeiro lugar. Não fique surpreso pela presidente da sala estar, novamente, fazendo algo sem sentido, mas atente para o fato de um código de “Street Fighter” estar sendo exibido no canto superior direito da tela ao mesmo tempo. Alienígenas observando os alunos da escola por sabe-se lá qual razão? Okay, mas veja que a nave deles é igual ao de um modelo de “Mobile Suit Gundam” – que por sua vez, é uma réplica da Enterprise de “Star Trek”. Himeko sempre dirá as mesmas baboseiras com sua expressão alegre, contudo a lousa atrás da fofa e mimada professora Miyamoto jamais mostrará as mesmas frases: citações a personalidades locais, programas, jogos, novelas, animes, filmes, mangás e diálogos de obras famosas compõem a maior parte desses escritos, mas há espaço ainda para trocadilhos, frases de origem totalmente desconhecida e duvidosa, opiniões pessoais dos criadores e, de vez em quando, lições que a preguiçosa Miyamoto passa a seus alunos - pois, teoricamente, é para isso que a lousa serve.

“Pani Poni Dash” obtém um grau de entretenimento imensurável uma vez que o espectador seja capaz de fisgar todas ou quase todas as referências que pululam pela tela incessantemente, e não só através da lousa de uma sala de aula. Se transformando em um teste contínuo para os nerds e otakus, o anime não fica restrito a trabalhos populares ao parodiar uma cena de “Neon Genesis Evangelion”, uma frase de “Homem-Aranha” e “Batman” ou um personagem de “Mobile Suit Gundam” ou “Gunbuster”, mas abre o baú para se lembrar de preciosidades como “Armored Trooper Votoms”, “The Glass Mask”, “JoJo’s Bizarre Adventure”, o longevo “Sazae-san” e por aí vai, fazendo igual com jogos e outros setores. A lista é tão extensa que, invariavelmente, mesmo os mais desatentos pegarão em alguma hora uma piada, nem que seja a respeito do clássico “Final Fantasy” ou do manjado “Dragon Ball”. Aos que tiverem uma carga de conhecimento menor – ou seja, aos que forem menos nerds? -, a diversão, certamente, diminuirá um pouco, um ponto negativo em obras que se excedem nesse quesito: mas isso pode ser suavizado com a versão americana do anime – não tão complicada de se achar pela internet -, cujo DVD traz notas de todas as piadas referenciais que a série faz – e que, não exagero, deixa praticamente impossível de se ver um episódio pela primeira vez com elas, pelo alto número de explicações simultâneas na tela.

Mais uma relativa “falha” vista aqui e constante em produções desse estilo são suas personagens unidimensionais, que podem ser classificadas – e de fato, fica mais fácil de lembrar-se delas assim - por um ou dois adjetivos e que repetem à exaustão seus comportamentos: a garota normal chata, a estudiosa toda certinha, a presidente misteriosa, a tolinha alegre, a de óculos sadista, o mascote melancólico... e o mesmo vale para os coadjuvantes (uma “mahou shoujo” que nunca usa magia, uma adoradora de cosplays toscos, a loira grotescamente forte, a outra loira amante dos animais, a atrapalhada etc). Sendo vários deles uma óbvia paródia aos estereótipos usados em animes, “Pani Poni Dash” inverte quase sempre essa limitação a seu favor ao produzir roteiros que abusam dessa mesmice, usando acontecimentos “bolas de neve” de desfechos imprevisíveis mesmo com a previsibilidade gigante de seu elenco (porque a garota normal jamais deixará de ser chamada de comum pelas colegas nem de se indagar das cenas fantásticas que presencia, muito menos o coelho tristonho Mesousa deixará de ser deprimido e menosprezado), e com um humor irônico e mordaz que extrapola tantas barreiras do irreal e do que é sensato que fará, inevitavelmente, algumas pessoas se distanciarem do anime na metade do caminho.

Se fartando de tons ultra saturados e aproveitando cada espaço da tela para adicionar qualquer elemento aleatório, Akiyuki Shinbo e SHAFT, tecnicamente falando, fazem um serviço competente e visualmente admirável – mas tenho de reclamar da “staff” amadora do estúdio, que toda hora entrava no meio das gravações do anime e largava á vista microfones e câmeras (a deliciosa destruição da quarta barreira) -, e percebe-se que Akiyuki, mais livre na criação, esboça e modifica lentamente seu estilo que, como disse acima, se aperfeiçoaria gritantemente lá em 2007, com “Hidamari Sketch”.  O sucesso de vendas – primordial para que se continuasse apostando em tantas mudanças - e as boas críticas acerca das variadas técnicas de animação usadas na série (com ênfase nas constantes modificações das OPs e EDs, prática oriunda de “Tsukuyomi: Moon Phase” e não usual na época) fizeram com que “Pani Poni Dash” se tornasse a etapa mais importante na história recente do estúdio, pois aqui SHAFT, Akiyuki e seus “aprendizes” compilam quase tudo o que seria esmerado no decorrer dos anos. 

Se em 2005 o anime fez furor na indústria, quem conhece a carreira atual de Akiyuki perceberá o quanto, de certa forma, “Pani Poni Dash” é bruto em vários pontos se comparado aos animes que vieram em sequência, e isso não fica resumido à animação ou à narração, mas também ao humor – não raramente aparecem piadas que são construídas e finalizadas rústica e grosseiramente, a destacar os primeiros e últimos episódios, os de maior instabilidade. Em compensação, como se tornaria comum nas produções da SHAFT, mesmo quando a série comete alguma falha – no caso de “Pani Poni Dash”, quando suas piadas não dão certo -, a animação cheia de atrativos visuais cumpre a função de mascarar tal defeito. 

E, bem, isso tem dado certo anime atrás de anime, com raras exceções.

Uma temporada por vez: Negima!?“, em 2006, viria a ser a última série da SHAFT com 26 episódios ou mais; após esse, o estúdio passaria a produzir animes de no máximo 12-13 capítulos.



REC
De onde saiu: Mangá, 14 volumes, em andamento.

A história: Ao convidar uma colega de trabalho para assistir um filme e esperar em vão por ela na frente do cinema, Fumihiko Matsumaru decide jogar fora os ingressos que comprou, mas é interrompido por uma garota desconhecida que pede para que ele não faça isso. Convencendo-o a assistir o filme junto com ela e depois o levando para jantar, Fumihiko acompanha essa garota no caminho de volta para casa e descobre que os dois moram na mesma vizinhança, porém se despede dela sem ao menos perguntar pelo seu nome.

Contudo, acordando no meio da noite por causa de um pesadelo, Fumihiko vê pela janela de seu quarto um local pegando fogo, e ao correr para lá descobre que o apartamento da garota que havia acabado de conhecer fora completamente destruído pelas chamas. Sem ter onde ficar, ele oferece sua casa como moradia temporária, e assim tem-se início uma relação confusa entre um trabalhador assalariado comum e uma dubladora novata fã de Audrey Hepburn, chamada Aka Onda.

Ano/Diretor: 2006 / Ryutaro Nakamura

Depois da chegada de Akiyuki Shinbo e companhia, “REC” foi a antepenúltima produção da SHAFT a não ter esse nome no cargo de diretor –  das outras duas, uma delas aparecerá na segunda metade dessa lista. Até por isso, esse anime é juntamente umas das últimas obras do estúdio a usar mão de um estilo visual e narrativo convencionais, totalmente fora dos padrões praticados atualmente pela SHAFT.

Após passarem a noite juntos e, finalmente, saberem o nome um do outro, o acaso brinca de novo com esse casal os fazendo trabalharem lado a lado, pois Fumihiko passa a gerenciar a propaganda de um produto de sua empresa, enquanto Aka é contratada como dubladora do mascote dos comerciais. Para evitar maus entendidos, os dois escondem de seus chefes a relação que possuem – mesmo que, de certo modo, eles não tenham nada para esconder.

São mais que amigos, mas menos do que namorados. Se o começo surpreende ao vermos um avanço tão rápido e brusco no relacionamento deles, o desenrolar do anime poderá causar decepção ao repararmos que nada de concreto e definitivo acontece. Conforme tentam separar a vida profissional da pessoal, percebendo que problemas em um interferem no andar do outro, Fumihiko e Aka vão se tornando cada vez mais íntimos entre si; contudo, essa intimidade, á primeira vista progressiva, toma a aparência de algo estagnado ao não vermos passos maiores serem dados por qualquer um dos personagens, o que fará até o início da série soar artificial para alguns tamanha a morosidade presenciada nesse relacionamento. Deve-se admitir que tal situação se justifica facilmente pela elogiável delicadeza e sutileza do enredo, em momentos onde fica clara a sua preocupação em ir um passo por vez nesse caminho complicado, sem se atrever a pegar atalhos questionáveis: porém, isso acaba por esbarrar no pouquíssimo espaço de tempo que a série possui.

Mas, tirando esse romance que exige um pouco de paciência do espectador, tem-se um carismático par de protagonistas de ótimo desenvolvimento nas demais áreas, em especial a profissional. Nos pequenos nove episódios de “REC” – de onze minutos de duração cada - Fumihiko (um típico homem reservado de mente fechada e machista) e Aka  (uma nada habitual mulher ativa e arrojada) não só vão entendendo melhor um ao outro e a si mesmos, como também aprendem a lidar com as adversidades encontradas em seus respectivos trabalhos, tornando-se assim adultos mais maduros e confiantes. Sensível, realista e bem montado, essa parte da trama salva a série como um todo, visto que seu teor puramente romântico deixa a desejar uma vez que os curtos episódios o atrapalham. 

Ryutaro Nakamura: dentre vários animes, ele já dirigiu “Kino no Tabi”, “Ghost Hound” e “Serial Experiments Lain”. Pela SHAFT, além de “REC” Nakamura foi diretor de somente mais uma animação, o filme “Kino no Tabi: The Beautiful World”.

Audrey Hepburn: é curioso notar que não só todos os episódios têm como títulos filmes estrelados por essa atriz norte-americana - de “Breakfast at Tiffany's” (Bonequinha de Luxo, 1961) a “My Fair Lady” (Minha Bela Dama, 1964) -, como as histórias e conceitos destes são inseridos levemente no drama dos protagonistas a cada episódio.



Hidamari Sketch
De onde saiu: Mangá, 6 volumes, em andamento.

A história: É mostrado o dia a dia da vida das calouras Yuno e Miyako ao lado de sua senpais Sae e HIro, todas moradoras do complexo de apartamentos Hidamari e estudantes do colégio de Artes Yamabuki.

Ano/Diretor: 2007 / Akiyuki Shinbo

A rotina de quatro garotinhas estudantes: diferente de hoje, em 2007 esse subgênero ainda era pouco explorado e novo, e apesar disso “Hidamari Sketch” alcançou níveis de originalidade e criatividade nesse nicho que raros animes obtiveram mesmo após cinco anos de sua estreia, tudo graças à Akiyuki Shinbo e o novo rumo que a SHAFT tomava. E lógico, vendo o tamanho sucesso da série, era previsível que se houvesse um crescimento no número de obras desse tipo – mas o verdadeiro “boom” só veio depois do estrondoso êxito de “K-ON!”, em 2009. 

Aqui, SHAFT e Akiyuki Shinbo estão mais próximos do estilo visto em seus trabalhos recentes; e, que nem em “Tsukuyomi: Moon Phase” e “Pani Poni Dash”, variadas técnicas de animação e narração são usadas para tentar dar um apelo maior a uma história que, em um primeiro momento, não tem grande destaque. E isso funciona muito bem em “Hidamari Sketch”, porque seu início enfadonho só não se torna insuportável por conta, justamente, da animação excêntrica que exibe.

Uma garotinha sonsa e lerda como principal e três amigas conversando sobre assuntos totalmente banais (a montagem mais usada com o tempo por diversos animes): com personagens ainda “frias” e diálogos nada interessantes, “Hidamari” no começo não se mostra como o anime melhor indicado para quem não é acostumado a animações dessa categoria, pois este se sentirá imensamente entediado com cenas nas quais as garotas conversam, por exemplo, sobre o tempo ou comida – e isso sem ter um humor pastelão ou exagerado no meio, e sim diálogos quase que absolutamente normais, com piadinhas e trocadilhos leves, uma essência puramente “slice-of-life”. É verdade que o visual prende, seduz; entretanto, acompanhar meninas extremamente inocentes, de uma que conta as calorias de tudo que come a outra atrapalhada e tolinha, passando inclusive por uma professora inconveniente que age como criança e não aceita a idade que tem, torna-se uma tarefa cansativa e maçante. Isso, até o instante em que certa loirinha passa a se destacar entre suas amigas.

Vistos alguns episódios fica visível que “Hidamari Sketch” é, praticamente, um anime de uma só personagem, duas dependendo da pessoa. Se a protagonista Yuno é no mínimo razoável e kawaii, e Sae e Hiro são demasiado apagadas, a avoada Miyako rouba a cena e se transforma no maior nome da série, carregando-a sozinha por quase todo o tempo. Alegre, radiante, burrinha, barulhenta e autora de pensamentos ora geniais, ora irracionais, ora simplesmente idiotas, Miyako vira um motivo forte o suficiente para boa parte dos espectadores aguentarem a série em toda a sua duração – e não falo isso me baseando apenas em minha própria experiência, mas igualmente no relato de várias pessoas pela internet que admitiram terem suportado o anime inteiro por causa dela. Logo, é inegável que essa garotinha salva “Hidamari” de ser uma chatice total; mas, apesar disso, enquanto os episódios transcorrem, tomamos ao menos um mínimo de afeição pelas demais, a afeição necessária. Acostumamo-nos com elas e suas personalidades e suas vidinhas e preocupações típicas de adolescentes, o que deixa a animação mais suportável.

E, para se contar uma historinha dessas, que ganha uma graça maior ao fugir do padrão e não seguir uma ordem cronológica – cada episódio trata de um ou dois dias qualquer de um mês do ano, de modo aleatório, e assim fatos incoerentes num primeiro instante se explicam sozinhos posteriormente -, vê-se uma arte que, passados cincos anos, continua moderna e atraente. Aliado aos lindos traços e o particular “character design” das meninas quando em SD, Akiyuki Shinbo abandona, por se tratar de um gênero deveras diferente, certos elementos usados em “Pani Poni Dash” – mas voltaria a eles no mesmo ano em “Sayonara Zetsubou Sensei” -, porém abusa aqui de outras técnicas, conhecidas e novas, de uma maneira que é a mais conhecida hoje pelos fãs. Cenários extensos vazios ou geometricamente desorganizados, objetos e ambientes computadorizados precários em detalhes, quadros e trocas de cores e fundos ou em dégradé, ou com painéis de estilos variados dão uma imagem singular à animação e são inteligentemente bem usados não unicamente para suprir o baixo orçamento, mas também para compensar a escassez do material de origem – no caso de “Hidamari”, as singelas tirinhas 4-koma. Piadas visuais; cores saturadas; efeitos sonoros estranhos; tomadas com imagens reais; colagens fotográficas em cenas animadas; constantes jogos de câmera com cortes rápidos e enquadramentos inusitados; frases e palavras surgindo e sumindo rapidamente na tela, e etc. São vastos os artifícios usados por Akiyuki; todavia, o trabalho interrupto acabaria por deixa-lo repetitivo – um fator que prejudicaria animações futuras.

Vale ressaltar e frisar, como foi dito em trechos da matéria, que alguns desses recursos citados já existiam em obras suas anteriores, em específico “Pani Poni Dash”, mas também em “Tsukuyomi: Moon Phase“ e, até, no OVA de 2004 “Le Portrait de Petite Cossette” e na série de 2001 “Soul Taker”, duas animações dirigidas por ele antes de chegar à SHAFT: mas em “Hidamari Sketch” essas ferramentas atingem um nível de abundância, excelência e bom gosto raramente visto nas produções que o antecederam, e por conta disso preferi menciona-las somente aqui. 

Akiyuki Shinbo uma vez revelou ter especial predileção a essa franquia por ela permitir-lhe fazer experimentos, testar novas ideias; e isso fica claro ao acompanhar a segunda temporada de “Hidamari Sketch”, de 2008, na qual nota-se um visível acréscimo de truques e um berrante amadurecimento no trabalho dele e de seus subordinados em relação à primeira série. Se “Tsukuyomi: Moon Phase” foi o tímido e fraco passo inicial dessa nova fase, e “Pani Poni Dash” deu um insano e ótimo vislumbre do real potencial da parceria Akiyuki e SHAFT (pode ser inferior tecnicamente, mas é muito superior a “Hidamari” no tocante a diversão), a montagem cuidadosa dada para “Hidamari Sketch” e o anime seguinte da lista foi o que firmou de vez a maneira peculiar desses dois em produzir animações. 

Quanto às moradoras do Hidamari Apartments, se o último episódio é pacientemente alcançado por quem assiste mesmo depois de uma boa quantidade de momentos tediosos, ouso dizer que é tarde demais; foi conquistado pelas garotinhas, e talvez principalmente pela Miyako, dependendo do gosto de cada um. De tal forma que, talvez, assistir outra temporada – ou outras - não fará mal algum...

Continuação: “K-ON!” é a franquia de maior sucesso nesse nicho, entretanto “Hidamari Sketch” é a de maior duração e tamanho: em 2008 a série voltou com novos 13 episódios em “Hidamari Sketch x 365”; em 2010, foi a vez de “Hidamari Sketch x Hochimitsu”, 12 episódios; e, para 2012, está previsto “Hidamari Sketch x Honeycomb”, com data de estreia marcada para outubro – antes era janeiro desse ano, mas fora adiada.

Referências: ao contrário de “Pani Poni Dash” e boa parte das séries que lhe sucederam, “Hidamari” tem um conteúdo escasso em relação a menções a obras de terceiros ou do próprio estúdio; mas elas permanecem ali, jogadas ao redor do cenário enquanto Yuno e suas amigas batem papo. E, nenhuma surpresa, o que mais se vê são alusões ao anime da professora de onze anos.



Sayonara Zetsubou Sensei
De onde saiu: Mangá, 30 volumes, finalizado.

A história: Com fortes tendências suicidas, o desesperado Itoshiki Nozomu passa a ser o novo professor de uma sala de aula cujos alunos são tão ou mais desequilibrados do que ele. Juntos, eles debatem sobre diversos problemas da sociedade moderna, ao mesmo tempo em que enfrentam situações malucas e improváveis.

Ano/Diretor: 2007 / Akiyuki Shinbo

Se um bom número de pessoas diz – e com razão – que a vinda à SHAFT deu a Akiyuki Shinbo a possibilidade de ele incrementar e popularizar seu talento, o mesmo se pode dizer a respeito da chance obtida ao dirigir “Sayonara Zetsubou Sensei”. “Pani Poni Dash” é muito bom, mas seu material original é altamente limitado: logo, ter em mãos a obra adulta e cáustica de Kumeta Kouji fez Akiyuki atingir um novo nível de humor, que não poderia ser experimentado em animes de garotinhas estudantes de artes, estudantes “normais” ou vampiras lolis.

Algumas semelhanças guardam entre si “Zetsubou Sensei” e “Pani Poni Dash”, e não só por possuírem professores esquisitos no papel principal e tramas “bolas de neve”. Se aproveitando da lousa da sala de aula e qualquer espaço vazio para fazer comentários pessoais e referências a tudo que for possível, “Zetsubou Sensei” também usa seu elenco unidimensional para satirizar (de um jeito bem mais explícito) arquétipos dos animes e mangás – sendo que um ou outro modelo já havia aparecido em “Pani Poni”, como a garota normal chata e a estudiosa toda certinha. Porém, o modo como ambos tratam os mesmos elementos é que os diferem tanto.

Se “Pani Poni” é grotescamente arbitrário e possui uma enganadora embalagem bonitinha e inocente, “Zetsubou Sensei”, por outro lado, tem uma evolução minimamente linear e consistente, e jamais esconde seu real conteúdo. De raciocínio ágil, pequenas conversas no começo banais vão, a cada minuto, tomando proporções colossais e inesperadas, mas sem perder o tema inicial. Que esteja Itoshiki com suas alunas reclamando - como de praxe – da sua vida ao dizer que é um excluído da sociedade não importa o que faça, e isso se torna um mote para vários exemplos de situações onde pessoas realizaram feitos incríveis, mas foram ofuscadas por terceiros que fizeram feitos maiores ainda na mesma época. Uma ida ao festival e uma passeata carregando um santuário móvel é o bastante para Itoshiki e as garotas começarem a discutir sobre o vício da indústria em botar qualquer coisa no pedestal para ter lucro, seja um garoto gênio ou um romance piegas; e um filme ruim visto no cinema culmina em um debate a respeito das “rotas de fuga” usadas pelas pessoas para fugirem de seus erros (o filme não é ruim por culpa do diretor: afinal, ele só seguiu à risca a obra original, então ela que não presta). Essas e outras abordagens vêm munidas de um humor negro, perspicaz e maldoso, que não poupa ninguém e se regozija em revelar as imperfeições de uma nação inteira.

Disposto a se suicidar um dia, fadado a chegar às piores conclusões possíveis e possuidor de uma honestidade inconveniente – um digno professor que não ilude seus alunos, sendo sincero ao dizer-lhes que nenhum deles alcançará seus sonhos e todos terão empregos medíocres (!) -, o cético Itoshiki tem atrás de si um bando de meninas cujas ações podem ser imutáveis, mas que, assim como em “Pani Poni Dash”, são responsáveis - juntamente com o roteiro rico em criatividade e a trilha sonora extravagante - pelo bom andamento do anime, pois o comportamento desajustado delas perto do pessimismo eterno de seu professor ditam o ritmo da comédia (o estilo visual e narrativo de Akiyuki Shinbo é outro agente que auxilia enormemente nisso, deixando cenas inteiras de conversas mais sedutoras; porém, como não há grandes novidades, ignorarei por ora esses artifícios para não ficar na mesmice). A bela estrangeira loira usada descaradamente para fanservice, a fujoshi, a certinha que se descontrola e se torna violenta na sua obsessão em querer ver tudo organizado, a otimista que distorce a realidade com seus pensamentos ingênuos, a hikikomori, a stalker, a amante dos animais (ou das caudas deles)... Um punhado – um harém, praticamente - de personagens rasas,  muitas delas levando seus estereótipos a graus extremos, que quase sempre só aparecem em conjunto exatamente porque elas apenas dão certo e entretêm dessa forma.

Afiado e crítico social ferrenho, nada é perfeito e “Zetsubou Sensei” perde o rumo nos momentos em que se alonga demais em um assunto – a dúvida de não saber a hora de parar, algo consertado na construção das temporadas seguintes – e, o que é esperado, quedas repentinas de qualidade ocorrem, particularmente quando o próprio anime se enrosca em sua loucura gradativa e chega a piadas forçadas e bobas. Estes tombos são, contudo, esporádicos, e não danificam a imagem do anime em seu todo; um anime que, até hoje, é um dos melhores exemplos de uma obra da SHAFT que não precisa, desde o início, se amparar totalmente em efeitos visuais diferenciados para ser levada adiante - algo corriqueiro em produções do estúdio, como ficou claro tanto em animes já citados na matéria, quanto em outros que virão futuramente. 

Continuação: com novos 13 episódios, “Zoku Sayonara Zetsubou Sensei” foi exibido em 2008; a terceira temporada, “Goku Sayonara Zetsubou Sensei”, composta por 3 OVAS, estreou no mesmo ano; e a quarta e última temporada, “Zan Sayonara Zetsubou Sensei”, passou na TV em 2009 e teve também 13 episódios.

Da mesma fonte: na atual temporada de verão está sendo exibida “Joshiraku”, série baseada no mangá homônimo de Kumeta Kouji. Produzido pela J.C. Staff, o anime segue a temática satírica de “Sayonara Zetsubou Sensei”, com a diferença de ser mais leve e ter uma maquiagem moe em cima – pois se trata de cinco garotas lindinhas conversando sobre tudo. A inferioridade frente aos ataques do professor desesperado é incontestável, mas fica visível outra coisa ao assisti-lo: a falta que faz um visual e narração à lá SHAFT para imprimir uma atração maior aos – geralmente bons – diálogos de Kumeta.

Da mesma fonte (2): em 2011 a SHAFT produziu “Katte ni Kaizou”, OVA de seis episódios baseado numa obra de Kumeta Kouji que fora criada antes de “Sayonara Zetsubou Sensei”. Nesse mangá o nonsense impera, mas inicialmente sem um humor sarcástico e crítico no meio; isso só apareceria em volumes futuros, e serviria como base para a geração do mangá do professor desesperado. 

Com uma comédia suja, pesada, muito retardada e forçada, a adaptação animada de “Katte ni Kaizou” pode causar algum interesse àqueles que gostam de “Sayonara Zetsubou Sensei” e dos trabalhos da SHAFT em geral: mas não seria exagero afirmar que é uma das piores produções do estúdio desde a vinda de Akiyuki Shinbo – que foi o diretor desses OVAs, para variar.



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No próximo capítulo: garotas esquisitas (mais?), namoradas estranhas e muita, muita magia.


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3 comentários:

  1. Li quase todos os animes, menos dois, mas enfim, não vou sair fazendo aquele comentariozão, uma semi-review, que é meio comum de se ver por esse mundo da interwebs ae hehe.

    Dos listados já vi Rec e Zetsubou Sensei. O primeiro não é lá grande coisa, mas ainda assim é bom. Já Zetsubou sensei sim é sensacional, na verdade não consigo pensar dentre as obras da shaft que já vi (ou que acho que vi, me surpreendi ao saber que Rec era dela) um que seja melhor.

    Não que isso seja algo negativo, muito pelo contrário já que reconheço a grandiosisade de outras obras.

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  2. Dessa primeira parte eu não assisti nenhum, mas pelo andar da carruagem da segunda parte, acredito que assisti todos! o/

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  3. Dos citados até agora só vi REC...
    Achei mesmo realista, sensível e bem montado. Apesar de ter estranhado um pouco a curta duração. Ainda assim recomendo = )

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